Se escutei na Escola Ayni dizerem que era deixar as crianças em paz enquanto “nós adultos” nos educamos… Foi exatamente isso que encontrei no Amalaya! No espaço da família de Ana Thomaz, conhecida pela desescolarização* dos seus filhos, já não se fala mais em educação, simplesmente se vive.

No sítio há pouco mais de dois anos, vivem sua família e a família do Marcelo e Regiane Michelsohn, duas famílias desescolarizadas que se uniram para “auto-criar-se na relação”. De lá pra cá, elas abriram espaço para receber outras pessoas em jornadas imersivas que acontecem uma vez por mês.

Além desse encontro presencial, é uma comunidade online que aquece e amadurece os insights e a constante desconstrução individual e compartilhada. Ao final da Jornada do Nós – encontro que participei- até mesmo essa máxima que vinha sendo construída dos encontros anteriores – o “auto-criar-se em relação” – foi desconstruída conforme avançamos ainda mais nas questões do grupo. Ao perceber que a relação é a consequência natural das interações que provocamos em nossos movimentos de autocriação, notamos que conforme nos liberamos dos medos e dualidades com as quais estamos geralmente ocupados, sobra energia para criar.  E é nesse fluxo de auto-criação que entramos de verdade em relação com o outro. Foi isso que praticamos o final de semana inteiro. Espelhar o outro, reconhecer em nós as dualidades que emergem e integrá-las! Simples e complexo assim!

Para ficar mais claro… percebem como esse próprio fato do grupo não estar mais “engajado” em questionar ou recriar a educação, nos levou a trabalhar questões mais profundas e chegar com integridade ao que de fato cada um precisava olhar em si? Enquanto não falamos de educação… vivemos, encontramos o outro e nos relacionamos em nossa potência criativa. Me senti extremamente liberada nesse ambiente onde não havia pauta, metodologia, nem mesmo intenção predefinida, e ao mesmo tempo extremamente desafiada a olhar para dentro e encarar as peças que minha mente vinha me pregando e que a alma começava a decifrar… Processo intenso, orgânico e profundo. Estiveram presentes pessoas de diferentes estados, “brincando” de desconstruir camada após camada de crenças e identidades. Pessoas que trabalham ou não com educação, formal ou informal, membros de coletivos parentais, etc. Assistimos filmes, conversamos, comemos juntos, fizemos fogueira e contamos estrelas cadentes, tudo sem um método, de forma muito natural e ativa.

No entanto, percebo que esse lindo trabalho que fizemos é fruto de uma construção gradual que vem sendo sustentada no campo do Amalaya, pelas famílias que lá vivem. O fato de ter a Educação como questão “””superada””” e a energia liberada para a vida nesse coletivo, é o que contruibui e o que começou muito antes…

Toda essa forma de pensar surgiu quando o Guto, filho mais velho da Ana, pediu para sair da escola, mais de 10 anos atrás. Depois desses anos e mais duas filhas – vivenciando e bancando essa decisão, Ana ainda é procurada para testemunhar sua “ousadia” na descolarização dos filhos. Nessa comunidade eles têm apoiado a muitos pais e famílias que se inspiram em seus movimentos, mas em nenhum momento ela se coloca como referência, ativista da causa ou sugere que aquilo que funciona para a sua família deve ser um modelo a ser seguido. Pelo contrário, ela se posiciona buscando sempre sua integridade, comunica sua verdade, mas estimula que cada um assuma os riscos e responsabilidades que estejam dispostos.

Sítio Amalaya

Durante nosso encontro, percebi como as crianças vivem e trazem um novo olhar para o adulto. Enquanto os adultos estavam se trabalhando, as crianças estavam brincando e vivendo com muita autonomia. Os pais colocam os limites que eles sentem que precisam colocar, mas ninguém determina o que tem ou o que não tem que fazer nem para as crianças nem para os adultos. Uma das falas da Ana que ficou marcada foi essa: “A convivência com as crianças tem mostrado que não há mais espaço para ensino. Mas cria-se um campo de aprendizado” quando ela comentava sobre o dia a dia na comunidade e aquilo que têm experimentado. Ao ser questionada sobre o termo ‘educação livre’ ela ainda acrescentou: “As crianças não são livres, são prisioneiras das crenças delas, dos medos delas, tanto como nós. A diferença é que ao observar isso eu não vou lá trabalhar nelas, vou trabalhar em mim”.

Para acompanhar o trabalho do Amalaya e as reflexões ou participar dos encontros online, veja mais aqui: http://www.amalaya.art.br/

* A DESESCOLARIZAÇÃO é um movimento que já existe desde a década de 70 e já tem muitos seguidores no Brasil – mais de 3,2 mil familias – e no mundo. Também conhecido como unschooling, propõe que para se adquirir os saberes pertinentes à vida não é preciso estar na escola.