Autonomia com orientação e cuidado

Após a visita no Sítio Amalaya, em Piracaia, segui para Cotia, na grande São Paulo, para conhecer o Projeto Âncora, uma das primeiras iniciativas no Brasil inspiradas na Escola da Ponte de Portugal, com assessoria do educador José Pacheco e que expressa como jamais vi a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire.

A escola já beneficiou diretamente mais de seis mil crianças, adolescentes e suas famílias em situação de vulnerabilidade social em periferias dos municípios de Cotia, Osasco, Carapicuíba, São Paulo, Embu das Artes. Em termos de pedagogia a Autonomia é o que mais se percebe no Projeto Âncora em todas as relações.

Neste processo de autonomia as crianças e adolescentes descobrem o que desejam estudar e saber através de projetos. Cada educando escolhe o que quer aprender e, com apoio de um tutor e dos colegas monta um roteiro de estudo e um planejamento semanal. O tutor também pode linkar conteúdos com o que está sendo pesquisando, por exemplo, se tem um grupo estudando sobre impostos no Brasil o tutor pode indicar estudos de fração e porcentagem, inserindo o conteúdo de matemática a partir disso. Conforme vão ganhando autonomia podem se envolver em dois ou mais projetos que lhe façam sentido. Um exemplo é a primeira turma de ensino médio que teve início esse ano e escolheu como projetos os temas intercâmbio e vestibular. Uma das meninas que nos guiou na visita conta que além de pesquisar sobre o tema intercâmbio, a turma mobilizou recursos para a sua viagem à Portugal na comunidade de Tamera, do qual tinham acabado de voltar muito animados. Ela também conta que escolheram estudar sobre vestibular, não para saber o que cai no vestibular, mas para compreender historicamente como esse processo foi construído e pessoalmente qual o sentido de se fazer o vestibular, o que trouxe grandes reflexões para todos.

Projeto Âncora

Na escola há espaços de silêncio, de estudar em dupla e em grupo, espaços ao ar livre, e até uma arena de circo! Tudo o que se possa se imaginar para deixar cada educando praticar a melhor forma aprender e compartilhar seus saberes. Os mais experientes em determinados assuntos podem apoiar os outros e assim por diante. Isso inclui todas as idades e nas diferenças é que cada um explora o desconhecido e senta junto para conversar. O mais interessante é que para se ter autonomia não depende de idade, e sim do que eles chamam de níveis de autonomia como a Iniciação, Desenvolvimento e Aprofundamento, pelos quais os educandos vão avançando conforme se autoavaliam e dialogam com seus tutores.

Todo o processo de avaliação é baseado, primeiro, na autoavaliação e depois no entendimento junto ao tutor sobre o seu desenvolvimento ao longo do roteiro de estudos. Toda sexta feira tem roda de avaliação entre a turma e, além disso, os tutores encontram regularmente as famílias junto com os educandos para um acompanhamento. Em vez de “histórico escolar”, o que se constrói é um inventário completo de cada educando com seus roteiros de estudo e registros dos trabalhos, alimentado por eles mesmos, os educadores e utilizando diversas linguagens.

Mensalmente acontecem assembleias com a participação de toda a comunidade escolar, entre educadores, educandos, pais e colaboradores. É um momento em que a comunidade senta em roda para compartilhar saberes e expressar sobre os projetos e experiências vividas pelos aprendizes.

 Comunidade de Aprendizagem

O Projeto Âncora é um dos espaços que se apropria do termo “Comunidade de Aprendizagem” e onde, de fato, a comunidade se apropria do território dentro e fora da escola. Todos são educandos e educadores no processo de formação e a presença da comunidade é o que dá cor ao processo educativo. Um dos projetos é o Okupa Âncora, onde a escola é ocupada por diversas manifestações de arte, cultura e atividades aos finais de semana. Ao perguntar como eles definem e compreendem uma “Comunidade de Aprendizagem”, me explicaram que apesar de, em 2014, terem traçado um raio de 3 km para definir a comunidade da escola, logo foram percebendo que comunidade é muito mais do que a questão geográfica, mas se manifesta nos vínculos e relações que se estabelecem entre diversos atores e parceiros de perto e de longe. É claro que o interesse é convidar a comunidade de pais, educadores e moradores a participar e eles já participam, mas em todo processo construído nestes anos de escola eles perceberam que vai além do território físico, pois comunidade também são as articulações, parcerias e pessoas que não estão tão próximas mas que se sentem próximas dessa iniciativa. Um exemplo foi um projeto realizado em parceria com um instituto de permacultura, onde as crianças foram fazer uma vivência em bioconstrução.

Em resumo, o que chamou mais minha atenção foi esse apoio no desenvolvimento da autonomia, porque se fala muito em autonomia há muitas décadas, só que existe um desafio grande na prática, e esta proposta é muito transformadora, pois traz uma grande inspiração de como preparar as pessoas para serem protagonistas de seus próprios desafios desenvolvendo-se progressivamente em seu processo de formação humana por meio da comunidade.